terça-feira, dezembro 25, 2012

As Trevas da Paixão - Gil

Nesta altura da minha vida, vocês já devem ter comentado «fónix lá a miúda, que não tem sorte nenhuma», verdade?

Pois, segundo me parece eu até tive muita sorte. Partir um pulso, ficar com a cara cheia de nódoas roxas e o couro cabeludo dorido e sem alguns cabelos acho que é pouco comparado com o que podia ter acontecido, caso a louca da mulher do outro nº 2 tivesse sacado de arma, em vez de me bater com as próprias mãos.
Como se eu tivesse culpa! Não era eu que devia acabar como acabei, era ele. Aquele estupor com filhos e família que andava daqui para ali à conquista. Filho de uma grande…
Sim, já sei, chamar nomes áquele gajo não resolve o problema da agressão nem tão pouco faz voltar o tempo atrás. Mas como diz a minha querida e grande amiga Diana, faz bem à alma que se farta. Por isso sim, vou continuar a chamar-lhe todos os nomes feios que conhecer e quando tiver paciência vou pesquisar mais no Google…
Devido a este incidente de última hora fui forçada a pedir férias antecipadas. Graças a Deus que tinha dias extra de trabalho a descontar e os meus superiores foram uns queridos e solidários comigo.
Estava deitada sobre o sofá da sala a ver um programa esquisito sobre comida, quando senti uma gota de água a escorrer-me pelo braço. Hora de trocar o saco do gelo, novamente.
Levantei-me com os músculos a protestar, sim, porque a senhora não se cingiu a dar-me murros na cara e a puxar-me os cabelos, para além disto e dos nomes, também me deu pontapés quando cai no chão porque me desequilibrei, acabando por aterrar mal e partir o pulso direito. E por isso tinha as costelas doridas e todos os restantes músculos do corpo.
Estava precisamente a deitar o saco do gelo ao lixo quando a campainha soou, fazendo-me saltar no ar, provocando-me um aceleramento cardíaco que me deixou as mãos a tremer. Chamem-lhe o que quiserem, mas eu fiquei traumatizada!
                A medo, andando em bicos dos pés, aproximei-me da porta e observei pelo vídeo porteiro. Graças a Deus tinha vídeo porteiro!
Era Diana e por isso fui abrindo a porta para que ela entrasse, mas sem retirar as correntes de segurança. Nunca se sabia quem poderia aparecer no vão de escadas…
Paranóica? Experimentem levar uma coça da mulher oficial e depois falamos.
              Assim que pousei os olhos em cima da minha amiga, abri a corrente, afastei-me da porta e deixei-a entrar, para a voltar a trancar a sete chaves.
- Oh, amiga…. – Diana deixou cair os sacos de compras ao chão e esmagou-me contra ela num abraço de urso.
                Eu encolhi-me e gemi involuntariamente. Diana largou-me imediatamente, aproximando-se e afastando-se, sem saber o que fazer.
                - Desculpa. Desculpa. Desculpa. – disse ela com pesar – Magoei-te?
                - Um bocadinho! – disse eu com uma careta. Apontei para os sacos com a mão engessada – o que é isto?
                - Já vais ver. Já tomas-te banho? – perguntou sem me dar hipótese de responder – Pelo aspecto já vi que não e ainda bem. Anda, segue-me e confia em mim.
                - Mas Diana… - resmunguei apontando para a cozinha.
                - Mas nada. – Diana pousou as mãos na anca, com os sacos pendurados – À minha frente. Já!
E tinha alternativa? Claro que não. Sabia que de nada valia protestar. Nem que me atirasse para o chão e esperneasse, Diana me daria ouvidos! Quando se preocupava com os amigos ela era mesmo assim, uma montanha rija.
E ainda bem que lhe dei ouvidos…Primeiro, porque tenho gesso desde o ante braço até meio da mão. Segundo, porque o que ela me preparou soube-me pela vida e digamos que ajudou 300% na minha recuperação. Não fosse mais, da auto-estima pelo menos.
Diana estava sentada ao lado da banheira, numa cadeira que para lá tinha levado, depois de me ter emergido na banheira. A água cheirava bem, a espuma sabia bem, e eu estava quase a dormir, não fosse ela me puxar para a conversa de cada vez que me calava por mais que três segundos.
- Eu ainda acho que devias apresentar queixa. – disse ela ofendida.
- Claro, e vou dizer o quê? – resmunguei, já cansada daquela conversa – «Olhe senhor agente, venho apresentar queixa porque fui idiota e confiei num homem bonito, loiro de olhos azuis que me fez mil e uma promessas mas que na verdade é casado e tem filhos. Ah, a propósito, esta a ver este gesso, pois, enquanto a mulher oficial me batia e pontapeava, caí mal e agora estou em casa a recuperar da traição nº dois. Acompanhou? Onde quer que assine?»
Diana estreitou os olhos e observou-me. Sabia que a minha amiga estava doida por sair porta fora, pegar no carro e conduzir até Lisboa como uma doida, encontrar a mulher do outro e fazer-lhe trinta vezes pior. Mas eu não podia deixar que ela se prejudicasse com a minha falta de sorte com os homens.
- Eu estou bem, Diana. – disse-lhe, enquanto abanava a mão engessada e plastificada. – Estou pronta para outra!
- Credo! – disse ela com uma careta – Não digas isso nem a brincar! E Deus te livre de te voltares a envolver com algum homem que te apareça no hotel. É que aí, quem te bate sou eu. – ameaçou ela, apontando-me aquele indicador com vida própria.
- Sim senhora! – disse eu veemente, retorcendo um sorriso nos lábios.
- Quando tens a próxima consulta? – disse ela, enquanto esfolheava uma daquelas revistas sobre tendências mortuárias e coisas relacionadas com a vanguarda dos funerais.
- Depois de amanhã tenho de ir ao hospital.
- De manhã ou de tarde?
- De tarde. – respondi, enquanto soprava bolas de sabão da mão sã.
- Oh, que chatice! Não te posso levar. Tenho uma cerimónia. – disse ela com pesar.
- Não faz mal, eu vou de carro ou chamo um táxi.
- Táxi. Com o azar que tu tens tido, mais vale não abusar.
- Pois… - olhei para a mão engessada – Se calhar tens razão…

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