terça-feira, setembro 23, 2014

Entrevista a Manuel Alves

Boa Noite Estrelinhas,

Desculpem só agora dar o ar da minha graça, mas fui raptada!!!! Por criaturinhas cor de rosa com bolinhas amarelas e risquinhas azuis...deveras assustador!!!

Para compensar.... uma ENTREVISTA!! Ao escritor Português, Manuel Alves, que apresentei aqui, no Nacionalmente Bom 2


Ora conheçam então o nosso autor!

1º Manuel podes falar um pouco de ti, o que fazes, o que gostas e detestas.

Olá. Resumindo, posso dizer que nasci e tenho-me aguentado. Apesar das várias tentativas de assassinato da parte do Universo. Já escapei a uma asfixia (idiotices de crianças), a afogamento (duas vezes… aprendi a nadar um bocado tarde… mas não demasiado, felizmente), a um acidente de viação (capotar é divertido, mas não recomendo que se faça de propósito), e vou fazendo fintas às rasteiras da vida em geral. De resto, isto de estar vivo, e poder aproveitar um bocadinho as sortes que nos calham, é fixola.
O que faço? Bem… sou ilustrador, quando tenho trabalho, e sou escritor, quando não tenho. Mas é costume uma coisa meter-se no caminho da outra. Ciúmes, e isso. Quando a ilustração e a escrita chegam a um acordo, felicidade e harmonia. Gosto de tangerinas descascadas ao fim da tarde, sentado numa cadeira aquecida pelo sol, a apreciar a lentidão da vida durante o Verão. Detesto que o Verão esteja a tornar-se uma criatura mitológica com avistamentos raros. E nabo, naturalmente. Detesto nabo.

2º Uma vez que vamos falar de livros, de que género literário gostas?

Gosto de livros que me fazem gostar de ler. O género literário não é factor decisivo na escolha, no sentido em que posso passar os olhos por vários livros de um determinado género e acabar por escolher um de outro, para leitura integral. Mas, se for para responder sobre quais os géneros literários que mais leio, são (sem nenhuma ordem de importância): ficção literária, fantasia e ficção científica.

3º Algum autor preferido? Porquê?

Como leio livros, e não autores, as minhas preferências não se prendem com a proveniência das palavras que mas sim com o efeito que a leitura tem em mim. Por melhor que cada um seja naquilo que faz, ninguém é absolutamente constante na capacidade de o fazer, e o autor que pode agradar-nos num livro pode igualmente desagradar-nos em outro. Parece-me mais sensato dizer que há livros que me divertiram bastante, na altura em que os li (alguns dos quais, agora, talvez não tivessem o mesmo efeito). O prazer da leitura é, como tudo em geral, relativo. Aproveita-se enquanto dura, e é o melhor que se pode esperar do que quer que seja.

4º O que te motivou a escrever?

Há quem diga que sou um espírito contemplativo e, se isso é verdade, suponho que cria a necessidade de capturar o resultado da contemplação em invólucro menos fugaz do que o pensamento dedicado ao momento. A escrita é a memória perene das coisas. Pelo menos, enquanto durar. É certamente mais fiável do que a minha memória. Quantas vezes, durante o dia, surgem pensamentos sublimes (sempre sublimes, claro) que serão apagados para sempre (talvez) se não forem registados. É um tormento aceitar que as ideias vêm até nós apenas para existirem a brevidade de um instante. Não se pode escrever tudo, naturalmente. E talvez nem se deva. Mas há ideias que merecem vida longa e partilhada. A escrita é (também) isso. Escrever é uma fome de espírito, uma sede de coração. É descobrir e partilhar as descobertas. É uma das vias extraordinárias que os seres humanos criaram para se expressar e ser entendidos entre os semelhantes. Se bem que, às vezes, é uma via que complica as coisas no esforço irónico de as simplificar. Não há sistemas perfeitos e, diga-se, os seres humanos são criaturas de entendimento complicado. Hum… qual era mesmo a pergunta?

5º Das 12 obras que já tens ao acesso dos leitores, qual é, para ti, o teu menino? E porquê?

O meu menino lindo é (capaz de ser) “A invenção de um conto de fadas”. É o primeiro romance publicado. Escrevi o livro para tentar mostrar a uma pessoa que uma relação não tem de acabar apenas porque se altera. As pessoas podem ser amigas quando não há razão sensata para não serem. Há circunstâncias em que as relações que se querem não são possíveis apesar da vontade de ambas as partes. A vida não transforma mundos inteiros, da noite para o dia, apenas porque as vontades querem. Ainda bem e ainda mal, que é assim. É o estado das coisas. Então, escrevi o livro para falar dos afectos nas cinco fases da vida (divisão minha, sem qualquer pretensão científica): infância, adolescência, vida (jovem) adulta, meia-idade e terceira idade. Gostaria que a vida tivesse tido um bocadinho mais de paciência para me deixar acabar o livro a tempo de essa pessoa o ler, quando a leitura poderia fazer a diferença. Não sei se essa pessoa leu o livro ou se alguma vez lerá. Mistérios que temos de aceitar até ao momento em que talvez tenhamos a sorte de descobrir as respostas.

6º As tuas obras vão desde Ficção Cientifica a Romance, dando ao leitor vários géneros de literatura. Para ti, há algum tema que seja mais difícil ou fácil de escrever?

Para mim, é fácil escrever. Talvez o termo mais indicado seja natural, porque chegar ao fácil dá muito trabalho (o que, vendo bem, não significa que seja difícil). O que faço é adequar o registo de escrita à história que pretendo contar. Não penso muito em qual género literário se incluirá. Deixo essas considerações para quem entender fazê-las e tenha maior conhecimento do que o meu, nessa área. Naturalmente o meu estilo próprio (se é que tenho um) acaba por passar para tudo o que escrevo, seja qual for o género, mas a escrita molda-se consoante a história, tal como o nosso discurso quando falamos para pessoas diferentes. Conheço pessoas que se movem em contextos culturais distintos, e seria complicado se falasse para todas da mesma maneira. Não é, numa visão simplista, usar palavras caras para umas e vocabulário reduzido para outras; é adequar o meio de comunicação à mensagem que pretendemos transmitir aos destinatários em questão. Uma não é (nem deve ser) melhor ou pior do que a outra, é apenas a adequada ao objectivo em mente. Considerações técnicas à parte, consigo escrever o que quer que seja acerca do que quer que seja. Depois, as palavras agradarão a quem quer que seja, como quer que seja (não vamos falar de possibilidades negativas). Se é para falar de coisas difíceis (ou que, pelo menos, dão mesmo muito trabalho), falemos de revisão. Mas não agora. Dá muito trabalho.

7º Há alguma obra a caminho? Podes falar-nos sobre ela?

Estou (quase, quase, mas mesmo quase) na fase final da reescrita/revisão de um manuscrito antigo que decidi ressuscitar. E ressuscitar é o termo adequado, porque o livro também aborda a ideia de que a morte não é um fim definitivo. Terá como título “A Cativa”, e será o primeiro volume de “Wulfric”, uma série de fantasia que se alongará, pelo menos, por quatro livros. O personagem central é Wulfric, um dos Mestres da Ordem, uma organização milenar secreta (naturalmente), que assegura a manutenção, na Terra, do equilíbrio de poderes entre os Lados (Céu e Inferno). Se tiver de enquadrar a série em géneros literários, direi que tem por base a fantasia urbana (ou isso), com ramificações para romance, terror, ficção científica, e até ficção histórica. A história está ancorada no presente, mas há partes da acção no passado (Wulfric é muito antigo), algumas em Portugal, durante o cerco da cidade do Porto, na guerra entre Liberais e Absolutistas. Num dos livros da série, parte da acção poderá mesmo passar-se no futuro. Mas, isso, só mesmo o futuro o dirá. No primeiro livro, aparecem lobisomens, fadas, anjos, demónios, Lúcifer, Mefistófeles, uma feiticeira que guarda a cruz de Cristo, Cativas (é preferível ler o livro do que perguntar-me o que são) e, claro, Wulfric, o Mestre Lobo. O grande problema que ele terá de enfrentar no primeiro livro é a questão do desentendimento entre Lúcifer e Mefistófeles, uma ameaça considerável para a manutenção do equilíbrio entre os Lados.

8º Das tuas obras, qual seria a primeira a recomendar?



As minhas recomendações são as sinopses. Os leitores que as leiam e decidam. Procuro ser o mais honesto possível na exposição daquilo que poderão esperar das respectivas histórias. Se é algo sempre feito com sucesso, é difícil (sobretudo, para mim) avaliar. Novamente, deixo ao critério dos leitores. Não vou dizer que todos os meus livros são como filhos (porque é uma comparação absurda e um bocado aldrabona), e que gosto de todos de maneira igual. Tenho carinho especial por alguns, e eles compreendem-me (ahah), porque mesmo os livros menos acarinhados recebem afecto em abundância. Talvez possa fazer umas sugestões. O “Z” foi, de certa forma, o tiro de partida para a publicação. É um conto de ficção científica centrado em dois personagens dotados de intelectos superiores, e aparentemente antagonistas. Z, um jovem gerado num útero artificial, e o Professor, o cientista que o criou. É gratuito e está disponível para quem quiser conhecer as razões de ambos os personagens. Para quem gostar de fantasia para crianças que é, na verdade, para miúdos e graúdos, arrisco garantir que gostará de conhecer a “Lili”. Houve quem a comparasse a “Coraline”, de Neil Gaiman, algo que me parece que deixaria o Neil Gaiman contente (ahah). Também compararam, em parte, a “O Estranho Mundo de Jack”, de Tim Burton. Mais uma comparação feliz, portanto. É uma série de contos ilustrados, com dois livros já publicados e o primeiro é gratuito. Para além do já mencionado “A invenção de um conto de fadas”, tenho de incluir o meu romance mais recente “Terra Fria”, uma história que recua aos tempos da ditadura salazarista, altura privilegiada para encontrar nas pessoas o pior e, felizmente, também o melhor da humanidade. Para quem ler e gostar de um destes livros é quase certo (mas não garantido) que poderá gostar de qualquer um dos outros mencionados.

9º O Que achas mais difícil, quando se é escritor em Portugal?

Ser escritor em Portugal (ahah… rir para não chorar). Para sermos justos, suponho que é sensato concluir que é difícil ser escritor em qualquer país. Mas, em Portugal, algumas dificuldades agravam-se. Para começar, presumindo que se escreve em português, o escritor está confinado (no sentido comercial) a uma língua que não pertence ao grupo muito reservado das que dominam o mercado editorial a nível mundial. Hoje em dia, é bom que consideremos as coisas globais dentro da sua verdadeira escala. A internet possibilita a publicação de ebooks em todo o mundo. Segundo os dados de que disponho, desde o início do ano, os meus livros foram adquiridos em, pelo menos, 17 países, a grande maioria dos quais não tem o português como língua oficial. Deve ser mesmo verdade que há portugueses em todos os cantos do mundo. A propósito, acho que está na altura de se começar a usar a expressão “curvas do mundo”. Afinal, já passaram alguns séculos desde que se estabeleceu que a Terra não é plana e que, tecnicamente, não tem cantos. É só uma ideia. Voltando ao assunto… Em Portugal, segundo aquilo que me é dado perceber, os leitores a sério lêem muito e compram livros sempre que podem. O problema é que não há muitos leitores a sério. Não vou dizer que compreendo as razões da escassez de leitores que folheiam, vá lá, um livro por mês (já não seria mau, se fosse o mínimo dos mínimos), e duvido que alguém compreenda inteiramente. Em Portugal, não há cultura de protecção da cultura (redundância intencional). Não se trata de obrigar todos a ler, porque todos devam forçosamente ler, trata-se de criar as condições para que todos os que queiram fazê-lo de livre vontade possam ler sem, por exemplo, se verem obrigados a escolher entre comprar um livro ou pão para o mês inteiro. Em grande parte, é essencialmente um problema de educação cultural. Nem todos têm de gostar de ler (os gostos deverão ser, por definição, espontâneos), mas os que gostam (e os que poderiam gostar, se lhes fosse permitido) deviam poder usufruir de uma estrutura institucional que lhes facultasse o acesso aos livros. Estado Português, queres comentar?
(…)
Pois, a cobardia silenciosa do costume. Para completar o par de sapatos de cimento que afundam o desafortunado escritor português nas águas editoriais, lá estão também as editoras a fazer peso. Não vou debater a necessidade óbvia de as empresas terem de gerar receitas para serem viáveis financeiramente. Ponto. Mas o facto é que, cada vez mais, as editoras jogam pelo seguro e publicam autores maioritariamente estrangeiros, com garantias relativas de sucesso, em virtude das vendas internacionais, e fecham-se para as apostas em autores portugueses emergentes que, dentro do território nacional, poderão ser igualmente rentáveis. Não pretendo, de modo algum, afirmar que se dê oportunidade aos autores nacionais apenas porque são de cá, e escrevem em português. Há que publicar autores estrangeiros que merecem ser lidos, e há que dar trabalho a tradutores que, como os escritores, precisam de comer. O que pretendo afirmar é que se dê oportunidade, ponto final. Para colocar as coisas em perspectiva, comecei a publicar há menos de dois anos (um completo desconhecido dos leitores, na altura) e, até ao momento, o número de aquisição dos meus livros ronda os 30 mil. Uma pena (financeiramente), que a maioria se deva a downloads gratuitos mas, ainda assim, é válido levantar uma pergunta. Quantos autores nacionais, nos últimos dois anos, conseguiram fazer chegar às mãos dos leitores 30 mil livros? Mesmo sem saber números concretos, arrisco que não serão muitos (alguém me corrija, se o palpite for ao lado), principalmente se começaram a publicar há menos de dois anos. É caso para se dizer que, afinal, a coisa (para mim) até nem está muito mal em Portugal, certo? Bem, não vamos deitar foguetes antes da festa. A grande maioria dos meus leitores vive no Brasil. Abençoada existência de outros países falantes de português. Só para terminar a questão, mais uma coisinha. Nos últimos tempos, dois dos maiores grupos editoriais de Portugal começaram (aparentemente) a apostar em plataformas de autopublicação, para dar oportunidade aos novos escritores e tudo muito bonitinho embrulhado com lacinho. Acontece que as oportunidades maiores são, claro está, para as próprias editoras, que colocam os livros (ebooks) a preços demasiado elevados para autores desconhecidos (sejamos sensatos) e, desses valores, reservam margens ridículas de ganho para os autores, em comparação às oferecidas por exemplo, pelo Smashwords, a editora dos meus livros. Para fazer um pequeno teste (porque eu sou um malandreco, admito), enviei para uma dessas editoras os manuscritos dos meus dois romances já publicados. Passado mais ou menos o tempo indicado para a resposta prevista, recebi um email a elogiar os dois livros, afirmação explícita de que apreciaram “sobremaneira” (estou a citar) a qualidade da escrita, mas que era uma pena verificarem que os livros já se encontravam publicados, condição que inviabilizava a publicação pela editora (algo que eu já sabia através da leitura do regulamento, pois claro). Fizeram questão de reiterar os elogios e manifestaram o desejo de que eu contactasse a editora em relação a futuros trabalhos. Certo. Uma pergunta. Afinal, qual o impedimento em dar uma oportunidade de facto e celebrar um contrato para a publicação física? Não seria o primeiro autor a mudar de editora. Posso apenas presumir que, todos os dias, recebem de cada autor aos dois livros que consideram excelentes, prova verificada da qualidade da escrita que se mantém de um livro para outro. Dito isto, espero que os autores que beneficiam dessa tal oportunidade, e similares, tirem o devido (justo) proveito do seu trabalho.

10º O que aconselhas aos novos escritores, que mantêm o manuscrito na gaveta?


Nem tudo o que se escreve merece ser publicado. É bom que se avalie a realidade e se ponha o ego de lado. Há manuscritos que servem apenas (e não é pouco) como treino de escrita. Eu comecei a publicar há menos de dois anos, mas escrevo há uns vinte. Portanto, em contas simples, treinei uns dezoito anos para saber que manuscritos tirar da gaveta. E todos os anos de treino que ainda tiver pela frente (a vida inteira) servirão para refinar os critérios da frieza que permite identificar os manuscritos que nunca deverão sair da gaveta. Uma boa parte de ser escritor é, em medida igual, saber o que publicar e não publicar. De resto, dito com a maior simplicidade possível, escrevei, pá. Bom e mau, tudo é experiência. Mas se a intenção é publicar, lá terá de vir o momento em que a gaveta já não pode conter mais páginas e apenas o mundo é grande o suficiente para permitir a existência das palavras. É escrever o fim, deixá-lo partir ao encontro dos leitores e escrever o início do próximo livro. Há que preencher o espaço vazio na gaveta.


Muito Obrigada ao Manuel, pela atenção e disponibilidade para esta pequena entrevista. 
Em breve, assim que possivel trarei noticias sobre “A Cativa”

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