Claro que coisas embaraçantes só acontecem a pessoas azaradas como eu. Coisas embaraçantes que acabavam sempre por envolver um gajo bonito que nos sorri e pensa que somos malucas.
- Olá, posso ajudar? – disse ele com um sorriso de orelha a orelha.
Eu, para acentuar ainda mais a minha posição de idiota desastrada, permaneci deitada de costas no chão, de boca aberta e olhos esbugalhados, de braço engessado meio levantado, enquanto o lindo ruivo de olhos castanhos avelã me fitava com interesse e curiosidade, com um sorriso de gozo a espalhar-se pelos lábios que… Oh céus… aqueles lábios…
- Dr. Gil, aqui estão…. Eloisa? – mais um par de pernas se aproximou, mas em sentido contrario, desta vez vestidas de rosa pálido. – Eloisa, o que estás a fazer?
Eu levantei a cabeça para ver melhor a dona daquela voz que eu tão bem conhecia.
- Olá Matilde. – disse eu enquanto cozia os poros da cara na temperatura máxima. Abanei o pulso engessado – Dás-me uma mãozinha?
- Claro. – disse ela, pousando umas caixas no chão ao meu lado.
- Não. Deixa estar, eu ajudo.
O Dr. Gil, como ela tinha chamado, agarrou na minha mão boa, enquanto com a outra me apertava a cintura e me içava do chão sem qualquer esforço.
Os nossos corpos ficaram espalmados, colados um ao outro, por um indeterminado espaço de tempo. Os nossos olhos cruzaram-se e envolveram-se. A nossa respiração sincronizou-se. As nossas bocas abriram-se e fecharam-se ao mesmo tempo, num engolir em seco de desejo… Até que o persistente aliviar da garganta da Matilde nos obrigou a afastarmo-nos. Estremeci e os meus poros encresparam-se. Cristo, estava toda arrepiada.
- O que estás aqui a fazer? – perguntou a Matilde.
- Boa pergunta… - disse eu entre dentes, ainda absorta na masculinidade do Dr. Gil, que não parava de me comer com os olhos, coisa que estava a deixar o meu ego feminino super híper traumatizado completamente recuperado e rendido. – Hum, quero dizer… acho que me enganei no piso.
A Matilde riu-se enquanto abanava a cabeça.
- Pois… bem me perguntei o que estava tu aqui a fazer. – ela lançou um sorriso todo derretido ao jovem doutor que também lhe sorriu, mas não na mesma intensidade – Esta minha amiga… Queres que te leve à ortopedia?
- Claro. Se não for pedir muito…
- Eu levo. – disse ele fitando-me com aqueles olhos enormes – Matilde estão à tua espera por causa das medicações aos recém-nascidos. E eu, estou na minha pausa. Posso perfeitamente acompanhar a tua amiga à ortopedia.
Já devem ter adivinhado que a Matilde não ficou muito satisfeita por ser reencaminhada aos serviços e afazeres dela, enquanto eu, euzinha, desaparecia no elevador com o Dr. Gllllllll.
As portas fecharam-se e os segundos pareceram horas. Apesar de ainda sentir o sangue pulsar nas veias e estar a morrer de calores estranhos por todo corpo, os traumas dos últimos acontecimentos ainda me toldavam a mente e sítios pequenos e fechados como os elevadores contribuíam imenso para a alteração do meu estado nervoso.
- Então, gostas-te do chão da pediatria? – perguntou com um sorriso – De costas nunca experimentei, mas andar de gatas até que não é mau…
- Ah.. o quê? – Fiquei atónita com a pergunta dele, e raios me levassem, mas assim que ele terminou a pergunta o meu cérebro assanhado só pensava numa coisa: sexo.
Okay, próxima paragem, depois da ortopedia, psiquiatria por favor!
Ele riu-se. A gargalhada mais pura, cristalina e masculina que os meus queridos tímpanos alguma vez escutaram. E eu, feita parva, dediquei-lhe um sorriso tímido, porque nem eu sabia do que me estava a rir… Muito possivelmente do riso dele.
- Gil, pediatra residente. – disse ele, estendendo-me a mão e mais um sorriso delicioso.
- Eloisa, azarada alentejana residente. – cumprimentei-o e levantei a mão engessada para enfatizar a minha apresentação.
- Acidente doméstico, laboral ou de viação?
Eu hesitei por momentos, envergonhada com a verdadeira explicação. Mas bolas, a culpa nem sequer foi minha. Se viesse equipada com bola de cristal ou clarividência estava multimilionária e a viver nas Maldivas à grande…
- Podemos dizer que realmente foi um caso doméstico – disse sem nenhuma sombra de diversão – Foi a esposa do meu “namorado”.
- Uou… estás a falar a sério? – disse ele hesitante, querendo-se rir mas ao mesmo tempo indeciso, sem saber oq eu pensar.
- Sim, não me orgulho do que aconteceu, nem tão pouco a culpa foi minha. – disse-lhe com alguma amargura na voz. Talvez até um pouco de raiva – Ele é que foi um canalha. Mulher e filhos e vê lá tu, andava a comer carne alentejana à grande… Voltando ao início da apresentação, azarada residente.
Ele riu-se, mas sem qualquer sombra de gozo ou margem para isso.
- Espero que o gajo tenha ficado com muito mais que um braço partido.
- Com os tomates azuis ficou de certeza…
Ele voltou a rir, agora mais bem-disposto, no instante momento em que as portas do elevador se abriram. Ofereceu-me passagem, e eu segui a seu lado, por mais um complicado corredor que nos levou directamente à sala seis. Obviamente que o meu tempo para ser atendida já tinha passado, mas o Gil… tratou do assunto. Pelos vistos o Dr. Heitor Chaves, ortopedista residente e ele eram bons amigos o que me valeu um atendimento prioritário e personalizado.
- Heitor, sê meiguinho. – disse ele em tom de aviso para o colega que lhe revirou os olhos. Depois voltou-se para mim e entregou-se um post it amarelo florescente com o número telefone dele. – Se te voltares a perder nos corredores do hospital…
Eu sorri-lhe como uma tonta, enquanto o via a desaparecer na porta, piscando-me o olho em despedida.
- Vamos a isso, minha querida? – disse o médico, arrancando-me dos meus devaneios que já estavam em terrenos muito quentes….e muito perigosos…. E muito confusos...
Muito bom como sempre :) Adoro estas história é super engraçada, quem diria que do jeito que a visita começou tao mal no hospital iria culminar no Dr. Gil, que venha mais um capitulo e depressa :P
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