Boa Noite,
Hoje deixo-vos com uma historia bem especial, enviada pela nossa querida Amiga e Colaboradora Andy Girl.
Hoje deixo-vos com uma historia bem especial, enviada pela nossa querida Amiga e Colaboradora Andy Girl.
O som do sino a tocar as doze badaladas da meia-noite ressoava pelo ar, numa nota solitária e arrepiante para os aventureiros que se atreviam a andar nas ruas por aquela hora. A meia-noite poderia não ser uma hora realmente tardia, todavia naquela região tudo se convertia num perigo para os mais incautos, para os mais vulneráveis…
Ele sabia disso, não por experiência, mas porque ele era uma das razões para tornar a região num assombro. Uma criatura das trevas, cuja noite se tornou o seu dia e as sombras a sua casa. Um ser dominado pelo instinto de sangue e pela necessidade de satisfazer a sua avidez pelo líquido escarlate que corria nas veias, a palpitar tão apelativamente enquanto o sentia a chamar por si.
Será que tudo nele se resumia a isso?
Não, não era verdade!
Ele dominou-se a ele mesmo para conquistar a sua humanidade de novo, para ser quem sempre fora… Mesmo que muita coisa tivesse mudado, jamais voltaria a seguir os instintos da criatura em que se tornou.
- Tens a certeza de que é isto que queres fazer? – Indagou o rapaz loiro, que seguia atrás de si, numa nota que ostentava toda a sua preocupação pelo amigo. – Isto pode-se tornar perigoso…
- Jonathan, eu meti-a nisto, eu vou assumir as consequências dos meus atos. – Interrompeu sem o deixar continuar. – Nunca fui um cobarde e não vai ser agora que o vou ser.
- Não se trata de cobardia, Arthur, tu sabes que ela pode acabar contigo. – Jonathan tentava-o chamar à razão, relembra-lhe o quanto perigoso a sua aventura poderia ser, mesmo sendo eles vampiros. – Ela é recém-nascida, sabes como eles são temperamentais nestas alturas.
- Será que não entendes? – Perguntou acima do tom e fixou furtivamente o olhar azulado que o observava. – Não a vou deixar sozinha, mesmo que disso dependa a minha vida! - Bufou frustrado e deixou a cabeça descair, enquanto fechava o punho com força. – Ela foi mais do que tudo o que pude pedir, vou lutar até ao fim para a trazer de volta. – O silêncio imperou entre os dois, não conseguiam continuar com aquela discussão. – Se não voltar duas horas antes de amanhecer, não me procures lá dentro, vai ter com os outros e sigam caminho.
Arthur mirava o basto jardim em mau estado que se estendia para lá do grande portão negro, enferrujado com o tempo, onde se vislumbrava as ervas daninhas a crescer livremente e as árvores de ramos tombados só com o peço de tantas folhas.
- Tudo bem. – Jonathan assentiu.
Embora aquilo não passasse de uma mentira, sabia que negar o pedido do outro apenas serviria para alongar a conversa e não para o demover das suas intenções. Além disso, se Arthur soubesse as suas reais intenções, somente o obrigaria a prometer que faria o que ele tinha pedido. Jonathan não abandonaria o seu amigo de maneira nenhuma!
Arthur abriu o portão que lhe permitiria chegar até à casa abandonada e num estado de degradação extremo. O metal rugiu severamente, quase parecia que o portão tinha intenções de se desprender do muro e cair desamparado sobre o chão terroso.
Passo a passo, o seu coração, único órgão realmente vivo no seu corpo, acelerava mais e mais dentro do peito. Aquela ansiedade de não saber o que iria encontrar destruía-o, ainda mais por se sentir culpado por toda aquela terrível situação em que se achava.
O que podia ele dizer em sua defesa?
Arthur meramente caíra na tentação de amar uma rapariga que não pertencia ao seu mundo de tenebrosidade. Seria isso um delito imperdoável? Não, o que virara imperdoável foi o ato de a transformar naquilo que ele era! Um ser angelical como ela, na sua felicidade translúcida e simples com o pouco que tinha, uma rapariga que sorria e iluminava toda e qualquer escuridão que pudesse existir no coração mais negro… Um ser daqueles não poderia ser uma criatura das trevas. Ainda assim, ele desejou-a tanto e para toda a sua eternidade.
Como é que ele podia ser tão egoísta?
A porta de casa estava aberta, ou melhor, dependurada no que restava das frinchas, pelo que não precisou de grandes esforços para entrar na habitação sombria. O piar das corujas distraía o ouvido menos apurado, contudo o cheiro dela permanecia ali a vaguear e a inundar cada pedaço de ar. Arrepiava-se ao sentir que o doce aroma havia sido ampliado pela transformação e não se tinha modificado como seria de esperar…
- Patrícia. – Chamou em plenos pulmões, aguardando que ela ao escutá-lo se acercasse do sítio onde se deparava. – Onde estás…? – A interrogação saiu mais num murmúrio abatido.
O puro silêncio foi tudo o que ouvi.
Nada e ninguém se manifestou para dar sinal de vida humana ou qualquer que fosse o tipo de vida que ambos agora partilhavam. Subiu as escadas que chiavam a cada pé que nelas pousavam, terminando no andar de cima, procurando quarto a quarto, até achar uma silhueta feminina deitada no chão de madeira gasta.
- Patrícia. – Repetiu o nome novamente, enquanto caminhava para ela.
Os braços musculados enlaçaram-se na figura delgada, depositando-a e aparando-a sobre as pernas. A rapariga excessivamente pálida parecia dormir um longo e leve sono, pelo menos era o que Arthur tentava imaginar em vez de senti-la como um cadáver tranquilo dentro do caixão. No entanto, ele sabia que ela estava acordada, o ouvia e sentia cada um dos seus gestos.
- Arthur. – A sua voz melodiosa arrastava-se num sussurro apagado. – Porquê… Porquê que me fizeste isto? – Indagou num tom de pranto, à medida que lágrimas vermelhas tingiam a beleza do seu rosto perfeito.
Arthur desejava possuir uma razão plausível, um verdadeiro motivo para o seu ato, algo mais do que um egoísmo cometido por amor… Todavia, não existia nada mais para além daquele amor incondicional por ela.
Fechou os olhos.
Imagens do seu sorriso vivo a ser o Sol dele toldavam-lhe a mente, assim como o gosto doce dos beijos apaixonados lhe enchia a boca e o toque suave e sedoso dos seus dedos lhe corria a pele dura e fria.
Porque é que tudo aquilo não tinha sido o suficiente para a felicidade dele?
Novamente, abriu as pálpebras e lá estava ela, vazia de tudo aquilo que já tinha sido. Nunca chegara a tornar-se no perigo que Jonathan tinha medo de o ver enfrentar, porque nem sequer perdera tempo em tentar alimentar-se, tal qual os outros fariam neste novo começo.
Ela era tão diferente de tudo o que ele havia conhecido antes!
Agora, agora a Primavera que ela fora torna-se num Inverno gelado, sem mesmo ter passado pelo auge do Verão e o carinho do Outono.
- Porque te amo. – Disse ao final de minutos incontáveis, engolindo as próprias lágrimas de angústia. – Porque tudo o que alguma vez desejei, desde que te conheci, foi única e meramente passar toda a eternidade a admirar o teu sorriso angelical, a sentir o sabor dos teus lábios, a tocar na tua pele suave e a ver os teus olhos castanhos brilharem tão distintamente quando o brilho da lua incide sobre eles. – Todas e cada uma das palavras eram arrancadas do sítio mais profundo da sua alma, um sítio onde apenas ela tinha ousado chegar. – Tudo porque a minha existência não tem um significado sem ti a meu lado.
Nos momentos seguintes, escutava somente o barulho do vento a agitar as folhas das árvores. Patrícia permaneceu imóvel nos seus braços até decidir abrir os olhos e revelar uns vistos escarlates.
- Lamento, Arthur, lamento que… - A sua voz falhou enquanto falava, inspirando para arranjar meio de continuar. - De tudo o que esperavas de mim, apenas tenha conservado este amor incondicional por ti.
O luar incidiu sobre a face apagada dela e, por breves instantes, julgou ver reaparecer aquele tom cor de mel nos olhos magnéticos dela. O rapaz não se importava que a aparência da amada se tivesse transformado, pois nos confins da sua essência, ela continuava o mesmo ser angelical que dançava livremente numa manhã solarenga de Primavera.
Tudo o que Arthur amava achava-se na alma dela e não no físico.
- Por favor, Patrícia, fica comigo. – Uma lágrima vermelha clandestina soltou-se dos canais lacrimais e juntou-se às dela, que não paravam de correr, como se de um rio se tratasse. – Não me deixes voltar a ser o ser vazio que sempre fui sem ti.
- Nunca te deixarei. – Um pequeno sorriso desenhou-se nos lábios femininos, à medida que ela ergueu a mão e a guiou até junto do peito dele. – Onde quer que me possas procurar, saberás que sempre me acharás aqui. – A rapariga pousou a delicada mão sobre o lado esquerdo do seu peito. - Dentro do teu coração.
O que é que ele podia fazer para a demover daquela decisão tão afincadamente tomada? Patrícia escolhera morrer, nada mais havia a fazer, se não aguardar pela sua hora… A hora em que parte do seu coração se ia desfazer com ela.
- Amo-te. – Aquele era a única palavra que realmente continha algo significado especial naquela altura.
- Eu vou amar-te até a minha eternidade acabar. – Respondeu a rapariga ao seu sentimento de necessidade de saber que, mesmo depois de todos os seus atos, ela o perdoaria.
Arthur não resistiu e conduziu os seus lábios aos dela, acariciando-os com ternura, desejo e paixão, um misto de sentimentos inexplicáveis a turbilhonar na sua alma. Os dois beijaram-se como nunca antes o haviam feito, porque o amanhã não existia, restava apenas minutos ou talvez segundos de uma vida sem sentido.
Por fim, o último suspiro de Patrícia atingiu-lhe a face e, num grito de dor, a sua alma quebrou-se, deixando uma ranhura profunda que jamais alguém curaria. As gotas de sangue brotavam-lhe dos olhos numa linha interminável, enquanto o corpo esguio dela se desfazia em cinzas nas suas mãos frias. Tudo se perderia no esquecimento, o seu cheiro, o toque da sua pele, o brilho do seu olhar, a perfeição do seu sorriso… Tudo perdido nas cinzas incandescentes que a consumiam até ao mais ínfimo pedaço.
O rapaz chorou até não existir mais sangue possível para expulsar pelos olhos, até a dor não ser mais que uma sensação de fundo que permaneceria constante, até sentir a paz que Patrícia sempre lhe transmitia a envolvê-lo.
***
Jonathan viu o seu amigo aproximar-se com um rosto onde os sentimentos eram imperfectíveis. Não ousou indagar sobre o sucedido no interior da habitação, de alguma forma antevia os acontecimentos através das cinzas que cruzaram o ar noturno e se perderam na imensidão da noite estrelada.
- E agora? – Perguntou numa nota minimamente natura.
- Agora vamos dormir, amanhã é dia de partir novamente. – Respondeu o vampiro.
Arthur seguiu na frente, num passo tranquilo, sabendo que a morte os poderia separar, mas o amor os manteria para sempre juntos até ao fim da eternidade.
Fim
0 comentários:
Enviar um comentário